O Simples Nacional na Reforma Tributária

O Simples Nacional na Reforma Tributária: Um Guia Completo Sobre o Que Vai Mudar

A Reforma Tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023, representa a maior e mais impactante mudança no sistema tributário brasileiro dos últimos anos. Com ela, foram criados dois novos tributos sobre o consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará o ICMS e o ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS e a COFINS. Juntos, eles formarão o chamado IVA Dual. Diante de uma transformação tão profunda, a principal dúvida para milhões de pequenos empresários é: o Simples Nacional vai acabar?

A resposta é clara e direta: não. O regime do Simples Nacional será mantido, mas passará por adaptações importantes para se alinhar ao novo cenário. Conforme determina o Art. 41, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025, os contribuintes optantes pelo Simples Nacional continuarão sujeitos às regras desse regime favorecido. No entanto, a reforma introduz mudanças que exigirão planejamento e decisões estratégicas. Entender essas novas regras desde já é fundamental para garantir a competitividade do seu negócio.

Este guia completo detalha as principais mudanças e o que você precisa saber para preparar sua empresa para o futuro.

1. O Simples Nacional Continua: A Confirmação na Nova Lei

A continuidade do Simples Nacional é uma das diretrizes fundamentais da reforma, garantida pela nova Lei Complementar nº 214/2025. O Art. 41 da referida lei estabelece uma distinção clara entre os contribuintes do regime regular (que apurarão IBS e CBS pelo sistema de débito e crédito) e os optantes pelo Simples Nacional, que continuarão a seguir as normas da Lei Complementar nº 123/2006.

Isso significa, na prática, que a estrutura central do regime — recolhimento unificado de tributos em uma única guia e alíquotas progressivas baseadas no faturamento — foi preservada. A mudança não está na extinção, mas na evolução estratégica do regime.

2. A Principal Novidade: Uma Escolha Estratégica para sua Empresa

A maior transformação para as empresas do Simples Nacional é a criação de um sistema com duas opções para a apuração do IBS e da CBS. A partir de 2027, o empresário poderá analisar seu modelo de negócio e escolher o caminho mais vantajoso. Uma decisão estratégica para sua empresa será definir qual dessas duas modalidades se encaixa melhor em sua operação.

  • Opção 1: Permanecer no Recolhimento Unificado do Simples Nacional Esta será a opção padrão e mais similar ao modelo atual. A empresa continuará recolhendo seus tributos de forma unificada por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS). As tabelas de alíquotas, no entanto, serão ajustadas para incluir o IBS e a CBS, que substituirão gradualmente o ICMS e o ISS na composição do imposto único. Para a empresa, a rotina de apuração e pagamento se manterá simplificada.
  • Opção 2: Optar pelo Regime Regular de Apuração do IBS e da CBS Esta é uma nova possibilidade estratégica. Com base no Art. 41, § 3º da LC 214/2025 e no Art. 13, § 10 da nova redação da LC 123/2006, a empresa do Simples Nacional poderá optar por recolher o IBS e a CBS pelo regime regular. Isso significa que, apenas para esses dois tributos, a apuração será não cumulativa (sistema de débito e crédito), enquanto os demais (IRPJ, CSLL, CPP, etc.) continuarão no cálculo simplificado.
  • O principal benefício desta opção é a possibilidade de gerar crédito integral de IBS e CBS para seus clientes. Essa opção é especialmente vantajosa para empresas do Simples que vendem majoritariamente para outras empresas do regime regular (B2B), pois seus clientes poderão aproveitar 100% do crédito de IBS/CBS, tornando sua empresa um fornecedor mais atrativo.
  • Atenção: Uma regra de alto risco
    • A opção será feita por semestre e será irretratável para o período escolhido (Art. 13, § 11 da nova LC 123/2006).
    • O ponto de atenção aqui é uma trava perigosa contida no Art. 41, § 5º da LC 214/2025. Se sua empresa optar pelo regime regular, acumular créditos de IBS/CBS e pedir o ressarcimento em dinheiro, estará permanentemente impedida de voltar ao recolhimento unificado do Simples para aquele ano-calendário e o ano anterior. A decisão deve ser muito bem calculada com seu contador.

3. As Novas Tabelas do Simples Nacional: Entenda a Transição

Para as empresas que permanecerem na Opção 1 (recolhimento unificado), as tabelas do Simples Nacional serão gradualmente alteradas. O Art. 519 da LC 214/2025 atualiza os anexos da Lei do Simples, detalhando a repartição dos tributos durante o período de transição, que ocorrerá entre 2029 e 2033.

Observe que nas novas tabelas, as alíquotas de PIS e COFINS são unificadas na coluna CBS, enquanto o ICMS é gradualmente substituído pelo IBS. Para ilustrar, veja como a composição dos tributos para o Anexo I (Comércio) mudará ao longo dos anos, usando a 1ª e a 3ª faixa de faturamento como exemplo.

Anexo I (Comércio) - 1ª Faixa de Faturamento

Ano

IRPJ

CSLL

CBS

CPP

ICMS

IBS

2029

5,50%

3,50%

15,33%

41,50%

34,00%

0,17%

2032

5,50%

3,50%

15,50%

41,50%

20,40%

13,60%

2033

5,50%

3,50%

15,50%

41,50%

N/A

34,00%

Anexo I (Comércio) - 3ª Faixa de Faturamento

Ano

IRPJ

CSLL

CBS

CPP

ICMS

IBS

2029

5,50%

3,50%

15,33%

42,00%

33,50%

0,17%

2032

5,50%

3,50%

15,50%

42,00%

20,10%

13,40%

2033

5,50%

3,50%

15,50%

42,00%

N/A

34,00%

Como as tabelas demonstram, o ICMS (e o ISS, para serviços) será gradualmente zerado dentro do Simples Nacional. Em seu lugar, o IBS assumirá a fatia correspondente na composição da alíquota unificada, concluindo a transição em 2033.

4. O Novo Sublimite de Faturamento para IBS

A reforma introduz uma regra importante no novo Art. 13-A da Lei Complementar nº 123/2006. Fica estabelecido um sublimite de receita bruta anual de R$ 3.600.000,00 para fins de recolhimento do IBS (que substituirá ICMS e ISS) dentro do Simples Nacional.

Na prática, uma empresa optante pelo Simples Nacional que faturar até R 4,8 milhões anuais continuará no regime para os tributos federais (IRPJ, CSLL, CPP, CBS). No entanto, se sua receita bruta ultrapassar R 3,6 milhões, ela deverá apurar e recolher o IBS por fora do Simples, seguindo as regras do regime regular de apuração. Empresas que se encontrarem na faixa de faturamento entre R 3,6 milhões e R 4,8 milhões enfrentarão uma complexidade adicional, pois precisarão gerenciar duas apurações distintas: a do Simples para tributos federais e a do regime regular para o IBS.

5. Transferência de Créditos: Como seu Cliente se Beneficiará

A transferência de créditos é um ponto crucial para a competitividade das empresas do Simples. Com base no Art. 23 da nova redação da LC 123/2006, as empresas do regime regular poderão se creditar do IBS e da CBS incidentes nas suas compras de produtos e serviços de empresas optantes pelo Simples Nacional.

Para que isso aconteça, será obrigatório que a empresa do Simples Nacional informe, no documento fiscal, a alíquota que o adquirente poderá utilizar para calcular o seu crédito. Essa medida amplia e simplifica a transferência de créditos, eliminando uma desvantagem competitiva significativa do sistema antigo, onde o crédito de ICMS era limitado e o de PIS/COFINS muitas vezes inexistia.

6. E o MEI? O Que Muda para o Microempreendedor Individual?

O regime do Microempreendedor Individual (MEI) também continuará existindo, conforme as alterações no Art. 18-A da LC 123/2006. A principal mudança, no entanto, impactará diretamente a rotina do MEI:

Além disso, a reforma cria a figura do Nanoempreendedor. Trata-se da pessoa física com receita bruta anual inferior à metade do limite vigente para o MEI e que não tenha aderido a esse regime. 

O Nanoempreendedor será, por padrão, considerado não contribuinte de IBS e CBS, mas poderá optar pelo regime regular, conforme o Art. 26, IV e § 1º, II da LC 214/2025.

É importante notar que o Nanoempreendedor não é um 'sub-MEI'. Essa é uma nova classificação jurídica para trabalhadores autônomos e informais com faturamento muito baixo, que lhes garante a condição de não contribuinte de IBS/CBS por padrão, simplificando sua situação fiscal caso não optem por se formalizar como MEI ou contribuir no regime regular.

Conclusão: Prepare-se para o Futuro

A Reforma Tributária preservou o Simples Nacional, reconhecendo sua importância para a economia, mas trouxe modernizações que exigirão planejamento estratégico.

Resumo dos Pontos-Chave:

  • O Simples Nacional e o MEI foram mantidos e adaptados.
  • Surge a opção de apurar IBS/CBS pelo regime regular, permitindo a transferência de crédito total aos clientes e aumentando a competitividade.
  • As tabelas de alíquotas serão ajustadas gradualmente entre 2029 e 2033 para substituir o ICMS/ISS pelo IBS.
  • O sublimite de faturamento para recolhimento de IBS dentro do Simples Nacional será de R$ 3,6 milhões anuais.
  • A emissão de documento fiscal se tornará obrigatória para todas as operações do MEI.

A recomendação final é clara: a partir de 2027, a escolha entre o recolhimento unificado e a apuração do IBS/CBS pelo regime regular será uma decisão estratégica fundamental. Converse com seu contador, analise o perfil dos seus clientes e o impacto da transferência de créditos em seu negócio. Preparar-se agora é o melhor caminho para aproveitar as oportunidades do novo sistema tributário.

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